segunda-feira, 30 de maio de 2011

Nova África no olhar de Conceição Oliveira

Por: Conceição Oliveira
Durante nossas viagens em vários países africanos nossa equipe entendeu o porquê de o historiador Alberto da Costa e Silva ter definido o Atlântico como ‘um rio’ que separa o Brasil da África. Do lado da ‘outra margem do rio’, seja na costa ocidental africana ou na oriental, encontramos semelhanças entre nós  brasileiros e os inúmeros povos africanos que redescobrimos.
Povos distintos, culturas diversas, convivendo, às vezes, em pequenos espaços geográficos. Eles nos convidam a refletir sobre as micro-nações africanas, muitas delas submetidas a fronteiras arbitrárias impostas pelos europeus.


O óleo que usam para se proteger do sol tinge a pele dessas mulheres de vermelho, característica marcante das mulheres do povo Himba.
Nem sempre o mosaico étnico existente em diferentes países africanos é razão de conflitos. Na Guiné-Bissau, por exemplo, cerca de trinta etnias convivem pacificamente. Em Ruanda, onde o etnicismo foi forjado, a manipulação política de uma falsa etnicidade resultou na morte de um milhão de pessoas. Ao atravessar este ‘rio chamado Atlântico’ descobrimos que nem tudo é conflito étnico.
A África vista como um continente miserável não se sustenta. A República Democrática do Congo é um verdadeiro ‘escândalo geológico’, em Gana o solo fértil atrai gaúchos que estão plantando arroz;  nosso caju que brota por todos os cantos da Guiné-Bissau se tornou o maior produto de exportação daquele país, no Maláui a fome vem sendo combatida com fornecimento de insumos pelo governo aos pequenos agricultores.


Silos onde o arroz produzido por brasileiros é armazenado, interior de Gana.
Os conflitos que vimos de perto — por terras, no Zimbábue ou por riquezas naturais, na República Democrática do Congo — nasceram da disputa pelo controle de riquezas.  E não faltam riquezas naturais no continente africano:  10% das reservas mundiais de petróleo estão espalhadas em vários países da África, 80% do coltan essencial para a produção de celulares, videogames e outros eletrônicos saem do Congo.  Na atualidade, o grande desafio dos africanos é fazer os benefícios dessas inúmeras riquezas chegarem às populações locais.
A África hoje acolhe os chineses. A China importa um terço de todo o petróleo que consome da África. Isso levou a denúncias de um neocolonialismo chinês. Mas não foi bem isso o que descobrimos aos conversar com os africanos. Em Cabo Verde, os chineses erguem represa para armazenar água da chuva num país que não tem rios, trazem produtos baratos, acessíveis para a população em várias partes do continente.


Barragem de Poilão, Ilha de Santiago, Cabo Verde.
Os brasileiros também estão cada vez mais presentes no continente africano. Somos bem-vindos, porque estabelecemos uma relação de parceria com os africanos. Conhecimento e tecnologia brasileira estão contribuindo para potencializar a agricultura africana.
Outro mito desfeito em nossas viagens foi o da África como um continente preso no passado sem acesso à tecnologia. Os celulares estão em todas as regiões do continente. Os quenianos pagam até passagem de ônibus  pelo celular, em Zanzibar a mortalidade materna e a neonatal têm sido reduzidas com o uso da tecnologia celular. Em Cabo Verde o combate à dengue, usando a internet, assim como acesso gratuito à rede nas praças de cada uma das ilhas do arquipélago, mostram que  a modernidade tecnológica é bem-vinda.
Praça na Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde onde o acesso à internet é gratuito.
Ao longo de nossas viagem em quase duas dezenas de países africanos ouvimos escritores, pesquisadores, músicos, intelectuais, trabalhadores e descobrimos inúmeras histórias. Eles nos ensinam que a história do continente africano não pode ser contatada por uma única voz. Elas são múltiplas, por vezes dissonantes. Dentre elas a queniana Wangari Maathai, prêmio Nobel, o artista plástico moçambicano Naguib, o escritor moçambicano Mia Couto.
No Brasil, na outra margem do ‘rio’, o historiador brasileiro Alberto da Costa e Silva, especialista em África, o angolano Carlos Serrano e o congolês, Kabengele Munanga, ambos antropólogos radicados no Brasil, professores da Universidade de São Paulo, a professora Rita de Barros, diretora do Africa Consulting também falam sobre um continente africano que ainda precisa ser redescoberto por nós.

Por Maria Helena Zanon Salvador

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